Atualmente, o Brasil é o quarto país do mundo a implantar repositórios digitais a base de Open Archives e caminha rapidamente para ampliar estas fontes de informação, liberando o acesso a revistas eletrônicas, a teses e dissertações, a relatórios técnicos e a anais de congressos científicos. A iniciativa é comandada pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), unidade de pesquisa do Ministério da Ciência e Tecnologia, que vem tratando de propagar, por universidades e centros de pesquisa, as ferramentas eletrônicas que permitirão a adoção, em todo o país, do novo modelo de disseminação da produção científica nacional.
O coordenador de Projetos Especiais do Ibict, Hélio Kuramoto, está à frente desta tarefa no Ibict e, nesta entrevista especial, apresenta um relato do trabalho feito, até o momento, para a adoção dos Open Archives no Brasil e das ferramentas eletrônicas que possibilitarão a multiplicação dos repositórios nacionais de informação científica.
Comunicação Social: O que são os Open Arquives, quando e por que eles surgiram?
Hélio Kuramoto: Os Open Archives (OA) são uma iniciativa que data do início da década 90, quando surgiu a Internet. Ela foi desenvolvida no Laboratório Nacional de Los Alamos, nos Estados Unidos, onde pesquisadores criaram um repositório de acesso livre para as áreas de física, matemática e ciência da computação. A intenção era oferecer exatamente uma alternativa para a comunicação científica na qual o próprio pesquisador publicasse sua produção e seu trabalho pudesse ficar armazenado em uma Biblioteca Digital, para que os leitores conhecessem as pesquisas e pudessem submeter comentários àquele trabalho publicado. Conceitualmente, os Open Archives operam a partir de código livre e, por isso, promovem padrões de interoperabilidade para facilitar a disseminação pública de informações científicas. Eles garantem acesso gratuito aos metadados, aos seus conteúdos e a interface entre repositórios e provedores de serviços. Por isso, os Open Archives permitiram criar livre comunicação entre o pesquisador e o usuário, o que, na realidade, acabou reconstruindo o colégio invisível. Nele, você escreve seus artigos, submete a seus pares, eles dão opinião e você vai melhorando e aprimorando suas idéias e pesquisas. Com esta iniciativa, o pesquisador acaba tendo um colégio muito maior, porque a Internet está no mundo todo. Em Los Alamos, a iniciativa começou com uma média mensal de 500 artigos. No ano 2000, esta média já estava em 3.000 artigos mensais houve envolvimento de um número enorme de pesquisadores, cerca de 30 mil, de todo o mundo. Em síntese, os Open Archives acabaram estabelecendo alguns ideais e alguns padrões tecnológicos para que repositórios digitais de conteúdos fossem criados e para que houvesse interoperabilidade entre dois ou mais repositórios e expansão da pesquisa e do conhecimento científico. Eles vieram, assim, a solucionar vários problemas na questão da difusão da informação e do conhecimento em ciência e tecnologia. Você percebe, por exemplo, que os pesquisadores da comunidade científica ainda enfrentam hoje dificuldades na publicação do resultado de suas pesquisas. Muitas vezes, as revistas impressas demoram de seis meses a um ano para publicar um artigo. E isso é demasiado longo em face do desenvolvimento científico que ocorre no mundo todo. Às vezes, você está com um resultado quente na mão, e a demora na publicação pode tornar o artigo totalmente defasado. Em outras situações, o pesquisador não tem sequer a oportunidade de publicar o seu trabalho, seja pela demora das revistas, seja porque as revistas têm uma conselho editorial bastante rígido. Com os Open Archives e os repositórios digitais, você acaba com todos estes problemas, ampliando e facilitando imensamente a disseminação da informação em ciência.
Comunicação Social: O Ibict vem se integrando ao modelo dos Open Archives e tem incentivado instituições no Brasil a implantarem este procedimento. Como está se dando este processo?
Hélio Kuramoto: Existem várias razões para a disseminação dos Open Archives no Brasil. Uma das razões principais é que faz parte da missão do Ibict o registro e a disseminação da produção científica brasileira. Assim, devemos, por exemplo, registrar as teses e dissertações, registrar e disseminar os artigos dos nossos pesquisadores nas várias áreas do conhecimento e registrar também outros materiais e documentos, como relatórios técnicos, capítulos de livro etc. Esta ação de registro e disseminação do conhecimento é o que leva ao desenvolvimento científico do país. Quando se dissemina a informação científica, ela passa a servir de insumo para novas pesquisas. E estas pesquisas geram novas informações. Então, isso é uma bola de neve. A informação está o tempo todo realimentando o processo do conhecimento científico. Outra razão é que o acesso à informação é muito caro. Nosso país gasta cerca de 20 milhões de dólares para manter o Portal de Periódicos da Capes. Os periódicos estrangeiros são muito caros, o acesso é muito caro, a manutenção é muito cara para o país. Claro que isto não é um problema só do Brasil, outros países também têm esta dificuldade. Por isso, em função destas dificuldades, é que tem surgido no mundo o movimento de Open Arquives e de Open Acess to Information and Knowledge in the Science Humanities. A idéia é que, por meio da criação destes repositórios de acesso livre, seja possível facilitar ao pesquisador publicar e ter acesso à informação, desenvolvendo, em melhores condições, a sua pesquisa. Isto acaba facilitando muito a vida do pesquisador, porque, sem os Open Archives, ele precisaria ter a assinatura destas revistas impressas, mas, muitas vezes, as bibliotecas universitárias e os centros de pesquisas não têm condições financeiras de manter estas coleções. Este é um outro viés que começamos a trabalhar para que, no futuro, o país se torne um pouco mais autônomo em relação a publicações estrangeiras. E, se no mundo todo este movimento está se fortalecendo, com a criação de novos repositórios e com a facilidade ao acesso à informação, o país pode se beneficiar deste processo, pois, além de criar seus repositórios, pode se integrar e interoperar os nossos repositórios com os repositórios estrangeiros. Isso daria acesso, a um custo muito menor, às informações que estão tanto no país quanto fora do país.
Comunicação Social: A meta seria então caminhar para se criar um ou vários repositórios nacionais de informações de revistas, teses, dissertações e artigos científicos, dentro da concepção dos Open Archives?
Hélio Kuramoto: Sim. Uma das iniciativas que o Ibict vem desenvolvendo é a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), que já está em curso e hoje já tem cerca de 15 mil trabalhos depositados, com texto integral. Outra iniciativa é disseminar e transferir, de forma massiva, o software de editoração eletrônica de revistas, ou melhor, o Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (SEER). Este é um software livre que permite ao editor construir a sua revista na Web, podendo otimizar seu trabalho e reduzir os custos. Além disso, colocando sua revista na Web ela vai ter muito mais visibilidade, e não há gasto com o processo de impressão gráfica da revista. Várias revistas brasileiras não conseguem se manter hoje porque o custo de impressão é muito alto. O software SEER, baseado no Open Journal System, desenvolvido pela British Columbia Univesity, que é livre, totalmente compatível e aderente às políticas governamentais brasileiras, rompe com todos estes problemas. O Ibict vem distribuindo este software e, como contrapartida, nós temos o registro da produção científica brasileira de forma facilitada. Há também outra iniciativa que é o software DSPACE, que é instrumento para criação de repositórios, que aceita tanto artigos, teses e dissertações, quanto material didático, e tem seus utilitários livres, os Open Sources. Se as bibliotecas universitárias adotarem este software para registrar a produção científica, futuramente nós teremos um grande catálogo com toda a produção científica das universidades. Queremos que, no futuro, todos estas iniciativas convirjam para a Biblioteca Digital Brasileira, que será o grande repositório nacional da informação e do conhecimento científico nacional.
Comunicação Social: Como está sendo a aceitação e a integração das instituições brasileiras a esta política de Open Archives?
Hélio Kuramoto: Nós estamos atuando em três frentes. Com a niciativa da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, o Ibict já treinou mais de 70 instituições de ensino superior, o que equivale ao treinamento de mais de 150 pessoas. Dessas 70 instituições, cerca de 15 já implantaram esse modelo em suas universidades. Por meio do Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas, nós já temos 60 revistas utilizando este software e deveremos chegar à meta de 100 revistas até o final do ano. E nós temos também divulgado o DSPACE, que pioneiramente foi utilizado pela PORTCOM (USP), que é uma iniciativa da área de comunicações, coordenada pela professora Sueli Mara. Nesse trabalho, o Ibict tem feito uma parceira para que o DSPACE seja customizado para a língua portuguesa. Além do PORTOCOM, o Tribunal Superior de Justiça, a Universidade Federal do Paraná, a Universidade Estadual Paulista e a Universidade Federal de Minas Gerais também adotaram o DSPACE, mas, na realidade, as instituições estão descobrindo este novo recurso agora. O importante é que o fato de você utilizar uma tecnologia aberta, Open Source, traz inúmeras facilidades para as instituições que são provedoras de informações cientificas. Como ele é um software livre, que trabalha no ambiente Linux, não há demanda de investimentos muito expressivo, e o sistema pode ser instalado em um servidor com configurações bastante simples. A perspectiva é que novas universidades venham a adotar esta nova ferramenta. Por enquanto, ainda estamos divulgando os Open Archives, e não existe no país ainda nenhuma política para a utilização dos Open Archives.
Comunicação Social: Em que pé está o projeto da Biblioteca Digital Brasileira, iniciativa que deverá concentrar todos estes esforços para a criação de repositórios livres, no formato de Open Archives?
Hélio Kuramoto: O projeto da Biblioteca Digital Brasileira se encerra no final do ano. Estamos agora em um processo de construção desta Biblioteca. Adquirimos o software o Metalib, que é um metabuscador e que proporcionará a integração de todas estas fontes. Hoje, já existe um protótipo da BDB, mas ainda estamos aprendendo a utilizar este software. Existem algumas dificuldades técnicas que ainda não conseguimos vencer por conta da inexperiência no uso deste software. Mas, nossa expectativa é que, até o final do ano, a Biblioteca Digital Brasileira seja lançada efetivamente com uma quantidade enorme de fontes de informação.
Comunicação Social: Existirá um serviço também específico para as revistas eletrônicas?
Hélio Kuramoto: Sim. Hoje, o Ibict já está desenvolvendo um provedor de serviços que irá coletar e integrar os metadados de todas as 60 publicações e esperamos lançar isto no segundo semestre em um serviço único.
Comunicação Social: Como ficará a questão do acervo das bibliotecas e dos livros impressos existentes no Brasil hoje? Eles serão digitalizados e disponibilizados ao público?
Hélio Kuramoto: A nossa perspectiva não é digitalizar todas estas obras existentes nos acervos das bibliotecas públicas, universitárias ou dos institutos de pesquisa. Nós estamos preocupados primeiro com aquilo que nós produzimos em termos da produção científica brasileira, ou seja, com os artigos, as teses, as dissertações, os relatórios técnicos etc. Numa segunda fase, temos um projeto que é o da construção de um Portal de Livros Didáticos Eletrônicos, no qual possamos disponibilizar os livros utilizados no ensino de graduação para que o aluno tenha maior facilidade de acesso a essas obras. Esse é um trabalho que nós iremos desenvolver conjuntamente com o Ministério da Educação. Obviamente este projeto não irá ficar apenas na dimensão dos livros didáticos, porque esta tecnologia permite a disponibilização de qualquer obra. Então poderemos, no futuro, usar este Portal para a execução das políticas públicas, desenvolvendo, por exemplo, o estímulo à leitura, à criação de uma comunidade de escritores e à criação de uma comunidade de usuários de documentos eletrônicos. Este Portal terá vários objetivos específicos que proporcionarão, no final, a facilidade do acesso da população à informação.
Comunicação Social: E como ficará a questão do direitos autorais nesta nova realidade de tecnologias e de arquivos abertos?
Hélio Kuramoto: Nossa perspectiva é que este Portal de Livros Didáticos Eletrônicos seja um instrumento para facilitar o acesso às obras. Claro que iremos adotar uma política de ressarcimento de custos. O acesso a esta informação não será gratuito. Em contrapartida, este Portal deverá ser um instrumento para que se possa amenizar ou diminuir as cópias piratas. Sabe-se que, nas universidades, os professores deixam os livros no xerox e os alunos vão lá e copiam as páginas que lhes interessam. A idéia é oferecer o acesso a este livro a um custo similar ao que o aluno teria em uma xerox dentro de uma universidade.
Comunicação Social: Vamos caminhar também para uma possibilidade de fim da autoria, como já desenvolvido pela Wikipedia?
Hélio Kuramoto: Não pretendemos, com este Portal, ter alguma coisa semelhante ao Wikipedia. A idéia é que você mantenha ali todo conceito de livro e de autoria. O autor que tiver o interesse em publicar um livro dentro deste Portal deverá ter a possibilidade sim de publicar, sendo respeitada a autoria e o custo. Será observada toda a lei do copyright. Além disso, o Wikipedia tem a conotação de qualquer pessoa chegar lá e colocar a informação que quiser. No caso do Portal do Livros Didáticos, deverá haver um comitê editorial que irá analisar o que será disponibilizado. Então, não será qualquer coisa que será disseminado neste Portal.
Comunicação Social: A disseminação dos Open Archives e dos Open Sources não exigirá de parte do usuário e do pesquisador brasileiro uma mudança de mentalidade cultural em relação ao uso de softwares livres? Além disso, não será necessário que as pessoas façam uma capacitação tecnológica para saber como manusear estas ferramentas?
Hélio Kuramoto: Veja bem. Os Open Archives exigem que o servidor que hospeda um repositório de acesso livre esteja num ambiente livre. Mas você acessa um repositório de Open Archives por meio da Web, portanto utilizando qualquer browser. Por isso, independe se o seu micro é Macintosh ou se ele é um PC, se ele tem um software Windows ou se ele tem um ambiente operacional 7.0 da Macintosh. Com qualquer ferramenta de informática, você acessará naturalmente os Open Archives.
Comunicação Social: Mas não haverá um choque cultural?
Hélio Kuramoto: Não. O usuário não irá sentir dificuldade operacional. O que ele vai perceber é que a interface dos sistemas de Open Archives é menos sofisticada que uma interface de um ambiente que utiliza software proprietário. É um ambiente mais simples. Então o usuário não vai sentir grande diferença.
Comunicação Social: Estatisticamente, qual o grau de implantação de repositórios em Open Archives no Brasil em relação aos demais países?
Hélio Kuramoto: O Brasil está em quarto lugar no mundo em número de repositórios em Open Archives. Os Estados Unidos estão em primeiro lugar com 156 repositórios. O Reino Unido está em segundo lugar. Depois vem a Alemanha e, a seguir, o Brasil, com 29 repositórios. Mas, na verdade, sabemos que nem todos os repositórios brasileiros em Open Archives estão registrados neste ranking. Se computássemos realmente todos os repositórios brasileiros, o Brasil saltaria para o segundo ou terceiro lugar.
Comunicação Social: Como fica a questão da segurança em relação aos Open Archives? Há o risco de acontecer manipulação ou alteração de dados e informações e, por conseqüência, de derivarmos para a perda de confiabilidade nos repositórios?
Hélio Kuramoto: O sistema operacional Linux oferece toda uma segurança, às vezes até maior do que o sistema Windows. Ele tem todas as ferramentas necessárias para você controlar, com segurança, o acesso aos arquivos. Do ponto de vista da confiabilidade, o DSPACE só libera a informação para acesso depois que o moderador daquela comunidade liberar o documento que foi submetido.
Comunicação Social: Mas um hacker ou um especialista em informática não pode entrar no sistema e mexer nas informações?
Hélio Kuramoto : Não. Porque só o autor poderá operar. A não ser que o autor passe a senha dele para outras pessoas, o que foge totalmente ao nosso controle. Mas todo documento que é publicado só pode ser alterado pelo autor que o publicou. No caso do Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas, por exemplo, o sistema foi feito para uma revista científica, portanto ele considera a existência de um comitê editorial. Então, todo e qualquer documento publicado nesta revista passará pela revisão e pela avaliação dos pares que fazem parte daquele comitê. A qualidade tende a ser a mesma de uma revista impressa. O que muda é somente a mídia, que se torna eletrônica.
Comunicação Social: Também não há o perigo de, com a produção e a disseminação massiva de informações científicas, acontecer a sensação de que ‘tudo já foi dito e já foi pensado’ e se desencadear a exploração do conhecimento disponível por oportunistas?
Hélio Kuramoto: O grande lance que eu vejo nos Open Archives é que, à medida que sejam criados repositórios de acesso livre, o trabalho do pesquisador vai ficar muito mais visível do que é hoje, restrito à publicação em revistas impressas. Existem estudos que indicam que um trabalho publicado em revista de acesso restrito é citado, em média, 2,3 vezes. Já o mesmo trabalho, publicado em uma revista eletrônica, passa a ter um nível de citação na ordem de 7. Portanto, três vezes maior do que em uma revista de acesso restrito. Ou seja, você tem assim uma visibilidade maior, seu trabalho tem um fator de impacto maior, e conseqüentemente a informação vai gerar mais informação. É um insumo que está sendo sempre realimentado no processo de desenvolvimento científico. Eu acredito, enfim, que haverá mais benefícios para o homem e para o desenvolvimento científico do país, do que malefícios. O fato de você copiar ou ser copiado, de piratear ou ser pirateado, não será uma novidade. Hoje já existe esta possibilidade. Apenas a tecnologia facilita isso. Porém, é muito mais fácil você identificar o que é copiado, pirateado, do que há cinco anos. O autor certamente estará muito mais exposto.
Comunicação Social: Para finalizar, os Open Archives poderão ajudar a combater a exclusão social, diminuindo a distância entre os inforricos e os infopobres?
Hélio Kuramoto: Os Open Archives podem ser uma efetiva ação de inclusão. À medida que eu facilito o acesso à informação, com os repositórios livres, qualquer um pode ter acesso às informações que estão nestes repositórios. Tanto aqueles que têm acesso às revistas estrangeiras, quanto aqueles que não têm. Então eu vejo que os Open Archives são um forte instrumento de inclusão, e não de exclusão. Quando maior for o acesso público à informação, maior será a possibilidade de ampliarmos a comunidade de usuários, até mesmo de levar esta informação para as comunidades que não têm este acesso.
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Data da Notícia: 23/09/2005 18:12
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