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Terça, 18 Abril 2006 10:34

BDTD: uma questão de interoperabilidade humana?

O tema biblioteca digital de teses e dissertações tem sido recorrente em meu blog (blogdokura.blogspot.com). Isto se explica pela importância que esse tema suscita. Não é à toa que várias iniciativas surgem todos os dias. Mais recentemente, o MEC/Capes divulgou uma nota informando que as teses e dissertações deveriam ser encaminhadas, inclusive por email, para o portal www.dominiopulico.gov.br, onde seriam registradas, constituindo-se em um novo banco de teses e dissertações. É louvável a iniciativa do MEC/Capes, mas já existe uma Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) implantada no país, sob a coordenação do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict). Por que investir em um outro banco? Esse novo investimento não fragmenta os esforços do governo federal? Em um momento em que se reclama da escassez de recursos financeiros, o governo se dá ao luxo de ter duas iniciativas paralelas. Isso não é um contra-senso?

Parece fácil a construção de uma biblioteca ou repositório digital de teses e dissertações, tendo em vista hoje a facilidade com que se publicam, na Internet, documentos eletrônicos.

No entanto, essa tarefa não é tão fácil quanto parece. É preciso saber, de antemão, o que se pretende ao criar tal repositório. Qual o papel desse repositório? É tão-somente a disseminação da documentação ali depositada? Esse repositório deverá fornecer, além do acesso à documentação produzida, indicadores para avaliação, relatórios com referências cruzadas? Esse repositório servirá para a realização de estudos prospectivos? Um repositório que sirva a todas essas indagações não é algo tão simples de se fazer. É necessário se pensar que dados se deve registrar, em que formato, qual o padrão a ser utilizado, com quais sistemas se deseja interoperar esse repositório, entre outros requisitos não menos importantes na elaboração de uma arquitetura de dados e informações. A carência de recursos financeiros nos obriga a pensar em estratégias de reaproveitamento de iniciativas existentes, evitando-se, assim o re-trabalho ou reinventar a roda. Ou seja, torna-se imperativo a busca de otimização de recursos e infra-estrutura. Nesse sentido, a formação de parcerias e consórcios tem sido um dos mecanismos na construção de bibliotecas digitais. Inúmeras iniciativas, em todo o mundo, têm utilizado esses mecanismos. Isso evita iniciar um projeto de bibliotecas digitais a partir do zero.

O Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (ibict) desenvolveu a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD – bdtd.ibict.br), com apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), e vem procedendo à sua implantação nas diversas instituições de ensino superior (IES) que mantêm programas de pós-graduação. Esse projeto teve início em 2001, com a criação do Comitê Técnico-Consultivo (CTC da BDTD). O Comitê foi criado para tornar a BDTD um sistema de informações integrado aos vários sistemas nacionais de informação, como a Plataforma Lattes do CNPq, e os sistemas de informação do MEC. A idéia era construir uma biblioteca digital que fornecesse respostas a todas as perguntas formuladas no início desse texto. Além disso, as questões técnicas, como definições de padrões de descrição das teses e dissertações, e políticas, como por exemplo a forma de implantação da BDTD e as articulações necessárias, entre outros temas, foram discutidas no contexto do CTC. Os próprios membros tinham também o papel de levar para as suas organizações as decisões tomadas por esse comitê. Dessa forma, o comitê foi criado com a indicação de membros representantes das várias instituições membros da comunidade científica, como o CNPq, a MEC/Capes, o MEC/Sesu, a Bireme, a UFSC, a USP, a Puc-Rio, a Finep e o próprio Ibict. Portanto, a BDTD não foi uma iniciativa com execução isolada, ela contou com o apoio técnico de todas essas instituições. Todos esses organismos representados participaram das discussões dos problemas técnicos, dos problemas políticos e das dificuldades encontradas na implantação da BDTD nas IES. A BDTD começou a sua implantação por meio da formação de um consórcio formado pelo Ibict e todas as IES que vêm se integrando paulatinamente à BDTD.

Após diversas reuniões do CTC, o Ibict deu início ao desenvolvimento dessa biblioteca, adotando os padrões estabelecidos pela Open Archives Initiative (OAI). Esses padrões foram também adotados por mais de uma centena de IES espalhadas por todo o mundo e integradas à Networked Digital Library of Thesis and Dissertations (NDLTD), projeto mundial de biblioteca digital de teses e dissertações, empreendido pela Virginia Tech nos EUA. A BDTD figura entre as iniciativas integradas à NDLTD, o que significa dizer que as teses e dissertações defendidas no Brasil e por brasileiros no exterior são disseminadas tanto no Brasil, pela BDTD, quanto em nível mundial pela NDLTD.

A BDTD teve a sua implantação iniciada no final de 2002, quando, no dia 12 de dezembro do mesmo ano, ela foi lançada oficialmente pelo Exmo. Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia (MCT), Ronaldo Sardenberg.

Ao longo dos últimos três anos, o Ibict vem implantando a BDTD, por meio da transferência das tecnologias desenvolvidas pelo Instituto para publicação de teses e dissertações eletrônicas. As IES recebem essas tecnologias e são treinadas na instalação e uso delas por meio da realização de workshops. Esses workshops são realizados tanto em Brasília, quanto nas unidades da federação. Hoje, a BDTD conta com 25 IES integradas, as quais depositaram 18.443 teses e dissertações, até o exato momento, 13h45 do dia 12 de abril de 2006. É importante precisar esses números, pois, a BDTD é atualizada diariamente. Portanto, o máximo de atraso no quantitativo de teses depositadas na BDTD nacional e na BDTD local, nas IES, é de doze horas, salvo nos casos em que os servidores das IES estão fora do ar.

Nessas duas últimas semanas, o Ibict treinou 56 técnicos das IES que foram contempladas com um kit tecnológico para implantar a BDTD em seus campi. O Ibict realizou, no final do ano passado, dois editais de licitação com o propósito de distribuir esses kits para aquelas IES desprovidas de uma infra-estrutura tecnológica para implantar a BDTD em suas universidades. De um total de 49 kits oferecidos, apenas 28 IES foram contempladas, tendo em vista o número reduzido de propostas apresentadas pelas IES. Constitui um kit tecnológico o conjunto de um servidor (microcomputador padrão Inter), pacotes de software básicos e o pacote de software TEDE para publicação de teses e dissertações eletrônicas. Essas IES têm o compromisso de, no máximo em três meses, implantar as BDTDs nos seus campi, com uma produção mínima de 40 (quarenta) teses e dissertações. No cômputo geral, o Ibict treinou mais de uma centena de IES, públicas e privadas, além das unidades de pesquisa subordinadas ao MCT, totalizando 220 (duzentas e vinte) pessoas capacitadas no uso das tecnologias desenvolvidas pelo Ibict para construção da BDTD.

Graças aos padrões adotados, a BDTD está integrada a diversas iniciativas nacionais e internacionais de bibliotecas digitais de teses e dissertações. Portanto, as tecnologias desenvolvidas pelo Ibict para a construção da BDTD não são utilizadas apenas por IES brasileiras. Universidades venezuelanas, argentinas e colombianas já utilizam essas tecnologias, as quais são pacotes de softwares livres.

Ainda em função da adoção desses padrões, uma IES, para se integrar à BDTD, não precisa necessariamente utilizar todas as tecnologias desenvolvidas e distribuídas pelo Ibict. Por exemplo, a Unicamp, a USP, o INPE e a Puc-Rio utilizam soluções próprias para a publicação de teses e dissertações. O fato de elas terem implantado dois dos padrões adotados pela BDTD, o OAI-PMH e o MTD-BR, essas instituições foram integradas à BDTD e funcionam com muito sucesso sem qualquer problema técnico. A solução adotada pelo Ibict para a BDTD e definida pelo CTC mostrou-se, portanto, muito flexível e interoperável. Assim, do ponto de vista técnico, a BDTD tem-se mostrado um projeto de sucesso e que se encontra no estado-da-arte em termos tecnológicos. Trata-se de uma solução totalmente aberta.

Além disso, essa iniciativa mais do que simplesmente implantar uma biblioteca digital, proporcionou a formação de uma competência técnica no uso e desenvolvimento de tecnologias para construção de bibliotecas digitais.

A BDTD é, segundo o Registry of Open Acces Repositories (ROAR), http://archives.eprints.org/, a maior iniciativa nacional em termos de bibliotecas digitais de teses e dissertações, com um total de 18443 teses e dissertações, ficando apenas atrás da NDLTD, que é uma iniciativa mundial, com 217 mil teses e dissertações de mais de uma centena de instituições espalhadas por todo o mundo, inclusive no Brasil.

Esse projeto proporciona as seguintes vantagens para quem participa dele:

− registro e disseminação local da produção de teses e dissertações, uma vez que o repositório fica hospedado nos servidores da IES;

− interoperabilidade, uma vez que a BDTD utiliza padrões adotados amplamente por organizações nacionais e estrangeiras;

− boa qualidade na descrição das teses e dissertações, permitindo a geração de relatórios e indicadores importantes para avaliação dos programas de pós-graduação;

− visbilidade nacional e internacional em função da alta interoperabilidade de sua BDTD;

− baixo custo no investimento de infra-estrutura;

Evidentemente, nem tudo são flores e nem tudo foi tão fácil quanto parece. A implantação da BDTD enfrentou problemas culturais, uma vez que não havia a cultura da publicação de teses e dissertações em meio eletrônico, havia sempre o receio dos autores em ter a sua tese ou dissertação plagiada ou clonada. A alta visibilidade proporcionada pela web provocou receios pela alta exposição dos trabalhos. Além disso, a implantação da BDTD exige um mínimo de organização nas IES e, verificou-se que isso não ocorria. Havia necessidade de maior comunicação entre os vários atores que habitam o campus universitário, as secretarias de pós-graduação, as bibliotecas, os alunos e mesmo a alta direção da universidade, e isso nem sempre ocorre com facilidade na vida real. A implantação da BDTD representa uma mudança de paradigmas, verificou-se, pelo menos até o presente momento, que em 25 IES foi conseguida essa mudança, e espera-se que em muito breve mais 28 IES estejam se incorporando a esse grupo restrito de IES pioneiras na questão da publicação eletrônica de teses e dissertações, no Brasil.

Esse cenário reflete a cultura de nossas universidades, dos atores que lá habitam. Seria necessário mais do que simplesmente repassar tecnologias e treinar pessoas. Faltava um mandato legal. O Ibict não tem esse mandato legal, pois não tem nenhuma ascendência sobre as IES e os programas de pós-graduação. O Ibict fez o seu papel, que era desenvolver e oferecer uma solução tecnológica. Cabe às IES a sua integração à BDTD.

O Ibict chegou a discutir, com o CTC da Capes e com a própria Capes, essa questão (transformação da BDTD em depósito legal das teses e dissertações eletrônicas), que inclusive foi aprovada por esse CTC, mas a presidência da Capes à época não levou adiante essa idéia. Só muito recentemente houve um posicionamento oficial da Capes, tornando obrigatório o depósito das teses e dissertações em meio eletrônico. No entanto, essa portaria não indicava onde deveriam ser depositadas as teses e dissertações. A idéia original, aquela discutida com o CTC da Capes, era que a BDTD deveria ser o depósito legal das teses e dissertações em meio eletrônico.

Agora, segundo nota da MEC/Capes as teses e dissertações deverão ser encaminhadas para serem depositadas no portal www.dominiopublico.gov.br. A Capes ao definir esse local de depósito dá um passo à diante. Trata-se de uma iniciativa importante, pois cria um outro espaço para registro e disseminação de informações sobre teses e dissertações. A web é um espaço público e, como tal, não deve ter domínios exclusivos. Portanto, o Ibict vê essa iniciativa com muita transparência e cumprimenta a MEC/Capes por essa decisão. Ficam, no entanto, uma série de indagações e preocupações, como as que se seguem: Que procedimentos serão adotados para o encaminhamento das teses e dissertações? Quem encaminhará as teses e dissertações? As IES? As secretarias de pós-graduação? Os autores? Haverá algum processo de certificação das teses e dissertações para sua inserção no banco do Portal Domíniopublico? Que metadados serão coletados? Quais os indicadores de avaliação o Portal Dominiopublico fornecerá? Que nível de interoperabilidade esse Portal oferecerá? Que padrões serão utilizados por esse Portal? Por que não utilizar uma metodologia já existente e desenvolvida no âmbito do Estado brasileiro para essa tarefa, a qual já foi, inclusive, oferecida ao MEC/Capes? Concluindo, a implantação da BDTD enfrentou e enfrenta vários níveis de dificuldades: tecnológicas, culturais e políticas. As dificuldades tecnológicas foram superadas, restam as barreiras culturais e políticas. Portanto, verifica-se que se conseguiu o mais difícil, que era a interoperabilidade tecnológica, e esbarra-se na interoperabilidade humana, que é fazer com que os vários atores envolvidos conversem e compartilhem os seus interesses.

Por Hélio Kuramoto

kuramoto@ibict.br

 

Data da Notícia: 18/04/2006 08:36

 
Última modificação em Quinta, 02 Janeiro 2020 11:58
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