Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia - A transformação da comunicação científica: entrevista com André Appel Ir direto para menu de acessibilidade.
Página inicial > Sala de Imprensa > Notícias > Mostrando itens por marcador: canal ciencia
Início do conteúdo da página
Quarta, 24 Junho 2020 08:25

A transformação da comunicação científica: entrevista com André Appel

Em busca da ampliação do entendimento sobre os processos de produção, circulação e uso da informação científica e também a respeito dos desafios às estruturas e modelos tradicionais e hegemônicos da comunicação científica, o pesquisador André Appel, hoje doutor em Ciência da Informação, decidiu realizar uma ampla pesquisa sobre o assunto.

A pesquisa de André Appel gerou a tese “Dimensões Tecnopolíticas e Econômicas da Comunicação Científica em Transformação”, defendida no Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação (PPGCI), desenvolvido por meio de convênio entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict). O trabalho foi orientado pela professora Sarita Albagli.

Em entrevista para o site do Ibict, André Appel, que é pesquisador da Coordenação de Tecnologias Aplicadas a Novos Produtos (COTEA) do Ibict, conta sobre a importância das transformações no processo de publicação de periódicos científicos, as quais têm ocorrido intensamente especialmente desde a pandemia de COVID-19, fato que obrigou a ciência se reinventar.

André Appel também explica sobre a importância da Ciência Aberta e do Acesso Aberto para o crescimento da ciência brasileira e mundial, em especial o potencial de renovação nos processos de produção e publicação de resultados de pesquisa, com ampliação da participação e do acesso.

Confira!

Ibict: O que motivou a escolha do tema da sua tese? Por que estudar a comunicação científica?

André Appel: Meu interesse pelos temas da comunicação científica e do Acesso Aberto vem desde a graduação, época em que participei como voluntário em um programa de iniciação científica, trabalhando em pesquisas sobre esses temas. Ao longo do mestrado e doutorado no PPGCI, por conta da rica interação com os docentes e colegas do programa, com minhas orientadoras e com diversos pesquisadores e pesquisadoras, em eventos da área e outros canais da Internet, tive a oportunidade de absorver variadas perspectivas e abordagens sobre esses temas. Depois disso, além de uma abordagem mais técnica, de análise dos suportes e fluxos de informação, procurei então investir em uma perspectiva mais crítica e mais analítica de como esses fenômenos, comunicação científica e acesso aberto, por meio de condicionantes sociais, políticos ou econômicos, chegaram às suas configurações atuais.

Ibict: Tendo como base os resultados da sua tese, qual a importância da Ciência Aberta e do Acesso Aberto?

André Appel: O Acesso Aberto, desde muito cedo, advoga pela garantia de acesso livre e gratuito ao conhecimento científico, isto é, um acesso livre de barreiras de natureza técnica, social ou econômica. Já a Ciência Aberta configurou-se como um movimento que advoga não somente pela garantia do acesso irrestrito ao conhecimento, mas também pela garantia de que todos e todas tenham chance de contribuir com o “fazer ciência”. Essas são características de uma ciência mais justa e menos elitizada e que, por consequência disso, torna-se mais eficiente na sua tarefa de beneficiar toda a sociedade, todas as culturas, e não somente determinadas nações ou determinados grupos.

Ibict: Sua tese foi produzida em 2019. Com o novo cenário vivenciado a partir da pandemia, o que mudou a partir do seu estudo?

André Appel: Creio que uma das principais mudanças diz respeito ao significativo aumento da interação e da atividade de pesquisa por meio da Internet, com a consequente ampliação da demanda por ferramentas e plataformas para mediar esse tipo de interação. Aulas, reuniões, treinamentos, disseminação de conteúdo, grande parte das atividades relacionadas à produção e circulação de conhecimentos que antes se dava pela via presencial, passou a ser realizada de forma remota. Nesse aspecto, é muito importante que possamos usufruir de infraestruturas comuns e compartilhadas de pesquisa, e isso inclui não somente ferramentas eficazes de telecomunicação audiovisual, mas também ferramentas para facilitar o acesso e o compartilhamento de dados e demais resultados de pesquisa.

Tanto no Brasil quanto no exterior vem ocorrendo um movimento de investimentos, públicos e privados, nessas infraestruturas de dados abertos e de comunicação em pesquisa, as quais agora se mostram cruciais para o intercâmbio, o monitoramento e a análise de dados sobre a pandemia, além de viabilizarem a continuidade do trabalho de pesquisa pela via remota.

Há diversas plataformas de uso comercial ou restrito permitindo o uso gratuito, especialmente para pesquisas relacionadas à Covid-19. É preciso lembrar, por outro lado, e isso eu destaco na minha pesquisa, que esse uso não é a custo zero. Enquanto interagimos e inserimos dados nessas plataformas, nós trabalhamos indiretamente para a melhoria e para o aperfeiçoamento delas, alimentando algoritmos e modelos computacionais, gerando novos conjuntos de dados para análise de desempenho e produtividade em pesquisa e novas ferramentas que não necessariamente serão fornecidas de graça no futuro. O advento da pandemia, por exemplo, resulta em condições extremas de uso dessas plataformas e em volumes de dados para análise e avaliação de desempenho outrora inalcançáveis.

Ibict: É correto dizer que a comunicação científica nunca mais será a mesma depois da pandemia?

André Appel: Na visão de diversos estudiosos da área, a comunicação científica compreende basicamente dois grandes conjuntos de canais. Os formais, onde estão os livros e periódicos, que são avaliados e validados por pares e também são de ampla circulação; e os canais informais, que envolvem as comunicações tradicionalmente mais efêmeras, resumidas, menos formais, e que circulam entre um público mais restrito. Lembrando que essas definições já sofreram muitas transformações com a transição para o ambiente digital, mas muitos aspectos ainda se mantêm. E, a meu ver, os canais informais são os mais impactados pela pandemia, até o momento.

Penso em três exemplos para explicitar isso. Primeiro, o dos colégios invisíveis, essa que é uma expressão usada para representar pequenos grupos de cientistas, que se comunicam constantemente e sob uma intensa relação de confiança. São aqueles colegas com quem a gente primeiro compartilha ideias, textos, resultados de pesquisa etc. em busca de revisões, conselhos, novas ideias e diferentes perspectivas. Esses grupos que há muito tempo fazem uso das telecomunicações, farão agora um uso ainda mais intensivo e enfrentarão menos barreiras para manter o contato, mesmo com a redução da interação presencial.

Como segundo exemplo, cito o caso das comunicações realizadas em congressos e eventos que, creio eu, levarão muito tempo ainda para voltar a ocorrer de forma presencial. E mesmo com o retorno, creio que se configurem de forma totalmente diferente do que estamos acostumados, muito em função das inúmeras experimentações que têm ocorrido nesse período da pandemia. Tenho visto congressos em que trabalhos são apresentados na forma de posts no Twitter, palestras e seminários com transmissão ao vivo para públicos amplos, seminários no formato de webconferências, nos quais o público tem uma presença um pouco mais destacada em relação às transmissões, entre outros exemplos.

Esse contexto traz alguns prejuízos, como a perda da informalidade inerente à comunicação face-a-face, fazendo com que muitos se sintam constringidos ou pouco à vontade para se manifestar, além da perda das conversas e trocas de ideias durante os intervalos do café e outros fatores. Por outro lado, traz também benefícios, como a disponibilidade para um público maior e mais disperso geograficamente, que outrora não teria condições de participar por dificuldade de descolamento, por exemplo, além do potencial de multitarefa, ou seja, possibilidade de acompanhar os eventos enquanto trabalhamos em outras atividades. Como terceiro exemplo, trago a questão dos preprints, que também têm seu protagonismo ampliado durante a pandemia.

Ibict: Poderia contar um pouco sobre o que são preprints?

André Appel: Preprints são formas de comunicação prévia e mais ágil de resultados de pesquisa enquanto estes ainda passam pelo processo de validação e revisão por pares ou enquanto aguardam publicação formal e chancela final da comunidade científica, com a publicação em um periódico científico. Esse processo pode levar de semanas a meses, tempo este que é absolutamente crítico em meio a uma pandemia. No Brasil, ganham destaque duas novas iniciativas para viabilizar a disponibilização de preprints, uma delas encabeçada pela parceria entre Ibict e Abec e outra encabeçada pela rede SciELO, ambas com foco, no momento, na difusão de pesquisas sobre Coronavírus e Covid-19.

No plano global, um estudo recente, um preprint, justamente, mostra que mais de 40% de toda a literatura sobre Covid-19 gerada até o momento foi divulgada como preprint. Com o crescimento desse protagonismo, pode-se vislumbrar um cenário futuro em que todos os novos resultados de pesquisa sejam primeiramente depositados em repositórios de preprints, os quais serão monitorados de perto por editores e editoras que, por sua vez, convidarão os autores a publicarem aqueles resultados também em seus periódicos, conforme interesse temático, interesse em receber citações etc., fazendo com que periódicos se tornem espécies de coleções curadas de preprints/artigos.

E para todos esses três exemplos que acabo de citar, ressalto novamente a importância das plataformas e infraestruturas anteriormente mencionadas, pois elas subsidiam muitas das atividades nesses canais informais.

Ibict: Quais limites você encontrou como pesquisador para a realização do seu estudo? Recomendaria outros estudos nesse sentido?

André Appel: Acho que o principal desafio enfrentado diz respeito à dinamicidade da relação comunicação científica e Acesso Aberto. A todo momento surgem novas proposições, práticas, diretrizes, novos modelos de negócio no cenário comercial etc., tornando difícil documentar e analisar todos esses acontecimentos.

Outra dificuldade está na barreira linguística e geográfica. Linguística quando muitos dos estudos sobre o tema são publicados em outros idiomas ou quando a gente precisa publicar nossos próprios estudos em outro idioma para atingir um público mais amplo ou em atendimento a demandas de avaliação e de produtividade, e isso gera uma camada extra de atenção e de trabalho, por assim dizer, e geográfica quando reuniões e discussões importantes sobre o tema ocorrem em regiões distantes e a gente não tem a chance de acompanhar presencialmente. Minha recomendação é para que se intensifiquem os estudos sobre as plataformas e infraestruturas de pesquisa, especialmente de acesso, código e padrões abertos, para que não fiquemos reféns de soluções pagas no futuro.

A tese em versão integral de André Appel pode ser encontrada no Repositório Institucional do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia - RIDI/Ibict, clicando aqui.


Patrícia Osandón
Núcleo de Comunicação Social do Ibict

Fim do conteúdo da página