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Sexta, 16 Outubro 2020 09:49

Entrevista com a professora Regina Marteleto: uma história dedicada à Ciência da Informação

Arte: Victor Silva Arte: Victor Silva

Depois de um estágio na Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa (atual Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais), a então estudante de Biblioteconomia e hoje professora Regina Marteleto soube que essa seria a área que nortearia seus caminhos profissionais e acadêmicos. Professora do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação (PPGCI), desenvolvido por meio de convênio entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), Regina Marteleto está entre as pessoas que colaboraram para o crescimento da Ciência da Informação no Brasil.

Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ, mestre em Ciência da Informação e da Comunicação pela École des hautes études en sciences sociales (França), e graduada em Letras (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas) e Biblioteconomia (Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG), Regina Marteleto já ocupou o cargo de presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação (ANCIB), entre 2003 e 2006.

A longa carreira da professora foi dedicada a vários temas da Ciência da Informação, como cultura e informação; conhecimento, informação e sociedade; informação e comunicação em saúde; mediações infocomunicacionais em redes sociais; e teoria social, epistemologia e interdisciplinaridade nos estudos da informação.

Em entrevista, a professora Regina Marteleto conta um pouco sobre a trajetória dela com a Ciência da Informação e com o PPGCI/Ibict/UFRJ.

Confira!

Ibict: Qual a sua história acadêmica? Como se deu a estruturação dos temas de pesquisa da senhora?

Regina Marteleto: Quando saí de um colégio de freiras, em Belo Horizonte, meu desejo inicial era estudar jornalismo. Queria estar a par dos fatos e produzir informações sobre o que se passava no nosso país no período da ditadura militar. Eram os anos de 1960, os mais sombrios desse regime que tanto mal fez ao país. Interessava-me também a Biblioteconomia, depois da visita ao Colégio de uma estudante na UFMG. E também me encantava a ideia de ter um emprego e, portanto, autonomia.

Tive sucesso nas provas do vestibular. Então frequentei os dois cursos paralelamente durante um semestre, até que optei pela Biblioteconomia por conta da oferta de um estágio remunerado na Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, patrocinado pelo Instituto Nacional do Livro. Depois de terminar o curso de Biblioteconomia na UFMG, senti a necessidade e a curiosidade de ampliar mais a minha base de conhecimentos, principalmente em línguas e na linguagem. Gostava de escrever e descobrir novos lugares, além daquele Belo Horizonte que me cercava. Decidi cursar Letras Português/Francês na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e nasceu aí minha trajetória acadêmica e o interesse em estudar o objeto informação por uma abordagem socioantropológica, crítica e interpretativa.

Fui estagiária na biblioteca pública durante o período de duração do curso. Depois, enquanto cursava Letras na PUC e estudava francês, atuava como bibliotecária na Biblioteca Central do Sesc, uma espécie de biblioteca pública situada no centro de Belo Horizonte, de portas abertas para a comunidade do comércio e em geral. Nessas experiências como estudante e profissional, tive mestres e colegas que marcaram a minha trajetória, com os quais aprendi muito do que guardo até hoje, na vida acadêmica e na vida pessoal.

Mais tarde, ingressei como profissional bibliotecária na UFMG, atuando na Divisão de Estudos e Projetos da Coordenação de Bibliotecas Universitárias. Nesse período, obtive uma bolsa do governo francês para realizar estágios em bibliotecas universitárias, o que me levou ainda a prolongar o período da bolsa para realizar um Diplôme d´Études Approfondies (DEA) em Sciences de l´Information et de la Communication na Ecole de Hautes Études en Sciences Sociales, curso criado por vários intelectuais e pesquisadores, dentre eles, Robert Escarpit, Roland Barthes e Jean Meyriat.

Ibict: Como foi que se deu sua entrada no PPGCI/Ibict/UFRJ?

Regina Marteleto: Em 1980, de volta da França e por força de situação familiar, precisei deixar a UFMG e me instalar no Rio de Janeiro. Quem mediou a minha entrada no PPGCI foi a Profa. Abigail Carvalho de Oliveira, vinda temporariamente da UFMG para o Ibict, onde assumiu por um tempo a divisão de ensino e pesquisa. Eram tempos de mudanças na instituição com a perspectiva de transferência do Ibict para Brasília. Eu era ainda bem jovem e iniciava um novo ciclo de vida e de trabalho, com múltiplos desafios pela frente. Atuei desde o início na pós-graduação, lecionando disciplinas no mestrado e coordenando a reestruturação do Curso de Documentação Científica (CDC), junto com colegas.

A partir do convênio realizado entre o Ibict e a Universidade Federal do Rio de Janeiro, via Escola de Comunicação (ECO), abre-se um ciclo inspirador de novas ideias. Assim, em 1994, é criado o doutorado em Ciência da Informação do PPGCI/Ibict/UFRJ. Antes disso, eu e algumas colegas cursamos o doutorado em Comunicação e Cultura na ECO/UFRJ, em linha de pesquisa criada para ser o embrião do futuro doutorado em Ciência da Informação. Nesse período criei, juntamente com os alunos e alguns colegas, a revista Informare – Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, destinada a divulgar a produção de docentes e discentes do Programa.

Desse período, eu não poderia deixar de mencionar a presença de um colega, Victor Valla, que esteve um ano no PPGCI. Com ele, percorria e conhecia os novos espaços de circulação de informações e produção de saberes em uma via libertadora, contestatória e democrática: as organizações não-governamentais de assessoria e apoio aos movimentos sociais, como a FASE, o CEDI, o IBASE, dentre outras. Depois de ter estudado no doutorado da ECO/UFRJ, o espaço escolar como espaço informacional reprodutor e, ao mesmo tempo, impulsionador de mudanças sociais, chegou o momento de compreender o papel dessas novas organizações na democratização da informação e na dialogia entre diferentes formas de saberes para a transformação social. É nessa fase que passei a interagir e compartilhar projetos de pesquisa e de ação social com colegas da área da saúde, da Fiocruz, à qual se vinculou o colega Victor Valla.

Ibict: Qual a importância do PPGCI/Ibict/UFRJ para a Ciência da Informação e para a ciência brasileira?

Regina Marteleto: O PPGCI é pioneiro no Brasil e na América Latina, no campo dos estudos informacionais, desde os anos de 1970, quando a pós-graduação começou a se consolidar no país, nas mais variadas áreas do conhecimento. A postura visionária e inovadora de suas precursoras Célia Zaher, Hagar Espanha e outros profissionais abriu diversas frentes para a criação e a consolidação da C.I., formando mestres e mestras que atuaram na criação de outros cursos de pós-graduação no país.

Desde então, sou testemunha desse papel central do Ibict no cenário latino-americano dos estudos da informação. Trata-se de uma instituição que, apesar de atravessar diversos e constantes percalços político-institucionais, manteve a firmeza de sua missão de coordenadora e incrementadora de práticas e políticas informacionais para a ciência e a tecnologia brasileiras. Daí a sua importância também para a ciência brasileira, por meio tanto da pesquisa e da formação pós-graduada, quanto no desenvolvimento de serviços e produtos informacionais.

Ibict: A senhora enfrentou algum preconceito ao longo da carreira acadêmica por ser uma mulher cientista?

Regina Marteleto: Apesar de já ter percorrido um longo caminho no meio acadêmico, posso afirmar que nunca enfrentei preconceito pela minha condição de mulher pesquisadora. Por outro lado, tenho consciência de que me situo em uma área ou domínio com predominância feminina, que não desfruta do mesmo prestígio científico de outras áreas, por exemplo, das ciências exatas, engenharias ou tecnologias.

É fato, em nosso país, que as áreas do conhecimento e de atuação profissional com predominância feminina – enfermagem, psicologia, serviço social, pedagogia – sofrem o estigma do cuidado, geralmente atribuído à mulher, o que as coloca em patamar diferenciado no que tange aos financiamentos e apoios para estímulo à pesquisa, em um país cuja estrutura patriarcal demarcou a relevância do direito, medicina e engenharia e a formação masculina. Entretanto, e graças às lutas e ao protagonismo das mulheres desde algumas décadas, essa realidade vem sendo alterada e as mulheres já se fazem mais presentes na escola e nas universidades, obtendo melhor desempenho do que os homens, embora persistam as diferenças de oportunidades no mercado de trabalho, favoráveis ao masculino.

Ibict: Quais os futuros possíveis para o PPGCI e para a Ciência da Informação?

Regina Marteleto: Para o bem, mais do que para o mal, na minha percepção, o mundo digital que veio se conformando desde as últimas décadas consolida-se de forma mais intensa no momento atual, haja vista, por exemplo, as novas formas de interação, trabalho, educação que se configuram neste momento da pandemia provocada pelo novo coronavírus, o Sars-CoV-2. Entretanto, o ritmo cada vez mais veloz e ampliado das comunicações, paralelo a uma abundância na produção e no acesso às informações, não tem favorecido a conformação de sociedades mais justas e democráticas. Questões de ordem econômica, geopolítica e de poder parecem orientar os fluxos, a conservação e o uso das informações. Diversas formas de mediações são necessárias a fim de promover a validação, a preservação e o acesso às informações e aos saberes.

Uma das formas mais relevantes neste cenário são as mediações culturais – o reconhecimento da pluralidade de povos, saberes e narrativas que coexistem nos planos mundial, nacional, regional. Em segundo lugar, e não menos importante, destacam-se as mediações documentárias que se inscrevem nas práticas e saberes dos profissionais da informação. Essas mediações são ética e politicamente relevantes no cenário informacional de ontem e de hoje. O PPGCI/Ibict/UFRJ, assim como outrora e desde sempre, tem e terá papel central nesse novo enquadramento informacional.

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Esta entrevista integra uma série dos meses de setembro e outubro em homenagem aos 50 anos do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, desenvolvido por meio de convênio entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro e o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia. A série destacará o trabalho das mulheres na vanguarda do PPGCI/Ibict/UFRJ.


Patrícia Osandón
Núcleo de Comunicação Social do Ibict

Última modificação em Sexta, 16 Outubro 2020 12:43
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